sábado, fevereiro 9

Falling in love at a coffee shop.

- Uma boa notícia. E o nosso café bem forte e quente de sempre. Só isso.
Olhando pela janela do hotel imundo e barato, Marcele passava os dedos pela cortina mofada, tentando esconder sua aflição. Mexia incessantemente no cabelo, alisava a blusa, tocava, enojada, naquela cortina mal cosida que a escondia do mundo - agora tão sombrio - lá fora. Tinha acordado, naquela manhã fria e pouco aconchegante, com uma sensação esquisita (não era pressentimento ou intuição; Marcele não tinha dessas coisas), com uma angústia que revirava seu estômago e deixava seus olhos ardidos. E agora estava ali, num lugar que cheirava a mofo e a promiscuidade, sem entender ao certo em que ponto da sua vida tinha se permitido entrar naquela situação absurda e confusa. Teria sido no dia em que tropeçara na própria sorte e escutara sádicas gargalhadas ao seu redor? Teria sido naquele dia em que fizera um corte de cabelo ousado e mudara a maneira como as pessoas a viam? Ou a origem de tudo aquilo estava na sua falta de malícia ao interpretar olhares, gestos e expressões? Mas, como num susto, percebeu que a compreensão não lhe iria adiantar em nada, não agora que era tarde demais. Tudo o que desejava era que Caio chegasse logo trazendo um pouco de café e a notícia de que estava tudo bem ou, então, de que tudo ficaria bem. Mas nada ficou bem. Caio chegou transtornado, batendo portas e chutando móveis, gritando o inegável, que era um fracassado e que tinha perdido o controle da situação. Marcele chorava e se recusava a acreditar no óbvio. O plano tinha sido falho desde o início, mal discutido, mal visualizado no contexto da vida deles... Estavam ferrados, nada parecia mais exato do que isso. Quando a porta foi arrombada, eles lançaram um olhar cúmplice um ao outro, mas dessa vez o trato não seria cumprido. Marcele morreu cinco meses depois, sem nem ter sido julgada. Disseram para Caio que a causa da morte tinha sido complicações no parto, mas, na realidade, foi pura má vontade e negligência médica. Caio viveu mais alguns anos, chegou até mesmo a conhecer o filho, um menino que vivia machucado por tropeçar na própria sorte e que, numa birra de criança, insistia em mudar o corte de cabelo com uma obstinação assustadora pra uma criança que demonstrava não ter malícia alguma. O remorso foi matando Caio aos poucos. Tudo o que Marcele havia pedido naquele dia era uma boa notícia e um pouco de café. Ele havia voltado com uma má notícia; haviam sido, enfim, localizados e não tinham mais como fugir. E quanto ao café... bem, ele havia esquecido do maldito café. E, no contexto da vida deles, isso era imperdoável.

(Marcele e Caio se conheceram numa cafeteria no inverno de um ano qualquer. Naquele dia, tomaram várias xícaras de café bem forte e quente e saíram da cafeteria de mãos dadas, apaixonados. Alguns dias depois, na mesma cafeteria, fizeram um trato: não deixariam que nada nem ninguém interferisse no que sentiam um pelo outro, nem eles mesmos. Um dia, Caio captou malícia nos olhares, nos gestos e nas expressões de um certo rapaz para com Marcele e, cumprindo o trato, não deixou que esse rapaz interferisse no que eles sentiam. Com o tempo, Marcele e Caio perceberam que por mais que confiassem na solidez do amor deles, ameaças e tentações sempre existiriam. Então, toda vez que conheciam alguém potencialmente ameaçador, lançavam um olhar cúmplice um ao outro e cumpriam o trato firmado na cafeteria. Esse mesmo olhar foi repetido inúmeras vezes, sempre após uma xícara de café bem forte e quente, até o dia em que foram descobertos. No impulso de proteger o amor, deixaram vários rastros que contribuíram para que fossem facilmente identificados como os responsáveis por aqueles desaparecimentos e mortes que aterrorizavam a pequena cidade com uma cafeteria ao centro. Naquele hotel imundo e barato, Marcele se perguntou em que ponto de sua vida tudo aquilo tinha começado. A resposta está naquele inverno de um ano qualquer, Marcele.)


texto escrito em dezembro de um ano qualquer, entre uma xícara e outra de um café bem forte e quente, ao som de Landon Pigg - Falling in love at a coffee shop.





Ando meio sem inspiração para escrever. Hoje, numa intensidade maior que a costumeira, estou irritadiça. Várias pequenas coisas têm me aborrecido. Pequenos detalhes numa conversa, numa situação, num planejamento... detalhes pouco significantes, mas que hoje estão assumindo proporções maiores. E hoje aquelas malditas idéias fixas estão mais fixas em mim do que jamais estiveram (mentira, algumas quase tatuagem já se tornaram). São "intentos" tão mesquinhos e fúteis... tá, talvez não sejam isso tanto assim. Mas, no fim, não me acrescentam nada além de frustação e de uma certa sensação de estousendoridícula.


"soon I'll grow up and I won't even flinch at your name"

3 comentários:

Unknown disse...

na verdade apos a segunda leitura n consegui captar a real intenção do seu texto
mas enfim
gostei da historia e lerei mais algumas vezes para entaum fazer um post decente
uahuahauah

bjus, mtos deles

Stigger disse...

Bah, cara, incrível! Eu realmente me surpreendi com a qualidade do teu escrito.

Tens noção que esse conto ficou muito bom?

Aliás, te recomendo um filme chamado Natural Born Killers. É muito parecido com o teu texto.

Foda!

xD

Unknown disse...

Muito bom, Daiane.
Estou pensando em firmar um trato assim.
Se eu for pego, vou te culpar.
hahahahahhahahahahaha


Beijos.