segunda-feira, agosto 18

Apenas um parêntese mal empregado.

It takes more than a heartbeat to get me. Ok?



Atenção capturada por um livro.
Stella. Antha. Deirdre. Rowan.
Quase um vício.

domingo, agosto 3

Metade

Eu fiz aquilo porque tudo estava tão morno, entende? Você bem sabe como eu odeio o morno. Quente ou frio, pra mim nunca teve essa de morno, esse meio termo que debocha da minha cara por não ser nenhum nem outro. Ou você é ou você não é, foi assim que eu sempre pensei. Mentira, foi assim que eu sempre me exteriorizei... Mas hoje de manhã, como num clic, eu percebi que tenho vivido constantemente na corda bamba, morrendo de medo de cair para o lado errado. É como se aquele colchão que amortece a queda existisse em apenas um dos lados e, de lá de cima, eu não conseguisse ver nada lá embaixo, ou seja, cinqüenta por cento de chance de rachar a cabeça no chão cimentado contra cinqüenta por cento de chance de rir aliviado sobre um colchão de ar barato e azul médio, nem escuro nem claro. Metade, metade, metade, a odiosa metade. E eu não sabia que eu vivia na metade até hoje... e todos aqueles medos infundados que eu sempre tive, aqueles receios e temores indefinidos que me atormentam de lugar nenhum, bem, tudo isso é o medo que eu sinto de cair pro lado errado. É por isso que eu sempre odiei o meio termo sem saber ao certo o porquê de tamanho ódio; eu sempre estive, bem ali, no meio. E agora sei que sou morno, exatamente morno, metade quente, metade frio. Ah, por favor, não me venha com esse olhar convidativo agora, não vou lhe mostrar a minha metade quente. E não, não vou colocar a mão na sua testa pra ver se você está febril, eu sei muito bem ao que isso pode nos levar. Eu estou tentando lhe explicar por que fiz aquilo, eu preciso que você entenda, eu tenho necessidade que você me escute e tente entender... acho que eu nunca precisei tanto de algo na vida como preciso que você fique quietinha e sóbria agora e se dispa desse meio sorriso zombeteiro... nós somos iguais... você mesma disse isso naquela tarde lenta e oleosa em que comemos um cachorro quente estragado na esquina e passamos o resto do dia vomitando, lembra? É claro que você lembra, foi a primeira vez que você usou a estratégia de “Meu bem, acho que estou com febre. Veja se você acha o mesmo”. Ah, não venha me dizer que não é uma estratégia, uma tática. Eu até acredito que naquela tarde nojenta não tenha sido, mas em todas as outras vezes você sabe que foi uma atitude pervertida da sua parte. Tudo bem, vou continuar acreditando que você é a ingenuidade em pessoa. Mas por que estamos discutindo isso de novo? tem medo do que vou lhe contar, não é? Por isso você tenta desviar minha atenção. Eu queria que você tivesse um pouco mais de maturidade e tentasse me levar um pouco mais a sério. Eu estou com um problema, será que não percebe? Estou com um sério problema e pela primeira vez estou admitindo isso em voz alta, e estou contando isso a você... porque nós somos iguais... e, sinceramente, já cansei de repetir isso. E já cansei de você me olhando pela metade, me amando pela metade, me desprezando pela metade... Não, não vou começar a discutir a relação agora, eu sei muito bem qual será a sua atitude se eu fizer isso. Caramba, como você é ridícula, você tem mesmo necessidade que eu lhe diga? Pois bem, você vai prender os cabelos no alto da cabeça como se fizesse questão de deixar sua cara bem descoberta. Então vai sentar na minha frente e acender um cigarro... e enquanto eu falo e falo, você se comprai soltando fumaça em mim e pensando milhares de coisas nessa sua cabecinha sádica, milhares de piadinhas e deboches. E como eu sei isso? Seus olhos não mentem, não esses olhos grandes que expressam tudo mesmo que você esteja tentando esconder. Mas por que diabos estamos falando de você? Nossa, você realmente sabe fazer com que eu me perca numa conversa! Eu admiro isso, sabia? Mas, por favor, escute o que eu tenho a falar. Isso não é uma súplica... você me deve isso pelas vezes em que a agüentei falando coisas aleatórias e chorando pelas suas paixões de livros. Será que você não pode fazer isso depois, isso de experimentar esses casacos aí, e me escutar? Eu estou obcecado pela metade! Eu tento transformar desesperadamente tudo ao meu redor em meio termo. Chocolate “meio-a-meio”, café com leite igualmente dividido; só durmo e acordo em meias horas, dividi a cama em duas partes e só me deito se for do lado esquerdo. Eu como pela metade, eu durmo pela metade, acho que estou até respirando pela metade. Eu chorei pela metade a morte do meu pai, eu senti dor pela metade quando quebrei o braço, eu senti raiva pela metade quando a mulher com quem eu planejava casar e ter filhos disse não me amar mais. E, agora nesse momento, estou amando você pela metade. Quando eu a conheci eu percebi, só de conversar com você por alguns instantes, como você era inteira, completa, amargamente cheia, sem um vazio, sem um buraco sequer. Mesmo assim, eu descobri, com o tempo, que éramos iguais, apesar de você ser inteira e eu metade. Por que a metade faz parte de um todo, não? Então o fato de eu ser partido em dois não significa que eu não seja completo. E não foram raras as vezes em que eu quis partir você ao meio e amar só uma metade sua, porque a amar por inteiro é algo que eu achei nunca conseguir sendo só metade. Mesmo assim, eu consegui a amar mesmo você sendo assim, toda inteira, e isso me fez muito bem porque, de certa forma, eu esqueci daquela metade de mim que eu decidi não ser. Mas hoje de manhã tudo mudou, você entende? Ah, por favor, não me venha com essa voz manhosa por eu ter dito que a amo só pela metade. E não, não vou ver se você está com febre, não agora! Eu encontrei a minha outra metade, você está entendendo? E eu me lembrei que eu tinha decidido não ser essa outra metade porque ela é cruel e perversa. Por isso que eu tenho vivido pela metade, eu tenho vivido só com uma parte minha! E eu estou com medo, estou realmente com muito medo. Eu andei lendo sobre dupla personalidade em alguns livros, mas eu sei que não é isso... nem de longe é isso. Eu vi esse garoto na rua, sabe? E eu juro que eu vi ele partido em dois, eu vi as duas partes dele! Uma parte tão linda e serena e a outra tão monstruosa e medonhamente sedutora. Eu quis pegar uma tesoura e cortar ele ao meio, eu juro que eu quis fazer isso, eu desejei que ele fosse um boneco de papelão que eu pudesse rasgar ao meio. E foi assim que de repente eu me dei conta que eu não era metade, eu era inteiro, só que partido em dois, assim como aquele garoto. Eu tive consciência, acho que pela primeira vez, da existência dessa outra parte que eu vinha escondendo sabe-se lá aonde. E agora eu estou parado bem no meio e não sei pra que lado ir. E foi por isso que eu fiz aquilo, porque de repente ficou tudo tão morno... em nenhum extremo, tão no centro... e eu acho que eu sempre estive na linha do meio, só que não percebi... aquela questão de estar na corda bamba que lhe falei antes, sabe? Então hoje de manhã eu vi aquele menino... e fiquei atordoado... realmente assustado... e foi por ter ficado tão impressionado que eu decidi que era hora de pular da corda. E, num segundo, eu me vi andando na corda de olhos fechados, cada metade me empurrando para um lado e eu me equilibrando com dificuldade, tentando não pender pra nenhum lado, não espontaneamente... e de repente comecei a ouvir gritos e mais gritos e não consegui mais me concentrar, sabe? Então eu abri os olhos e , caramba, eu estava caminhando sobre o telhado de uma casa enorme, aqueles telhados em forma de triângulo, eu estava caminhando bem no meio... e eu não sei até agora como fui parar lá, como eu subi até lá, só sei que era muito, muito alto, e que, não importa o lado pro qual eu caísse, eu ia me espatifar no chão! Não havia colchão de ar azul médio, só o cimento onde eu ia rachar a minha cabeça! E agora todo mundo pensa que eu quis me matar, que eu quis quebrar todos os meus ossos lá embaixo... acho que até você pensa isso. Não, você não pensa assim, não você, minha igual. Mas eu estou com medo, por isso estou aqui falando com você... e se eu quis mesmo? E se eu quis pular de verdade... quer dizer, eu me vi na corda, eu queria pular, mas eu não sabia que eu estava a metros de altura! E se as minhas metades, ao se unirem, não se entrelacem, não se suportem? Eu não sei qual é a mais forte, mas uma delas ia me derrubar se os bombeiros não tivessem chegado a tempo, eu sei que isso ia acontecer. Merda, por que você está falando dessa história de febre de novo? Por que você não me diz nada sobre tudo isso que falei agora, você não acha que eu estava querendo me matar, não é? Caramba, se você precisa tanto disso, eu vou aí verificar se você está com febre, mas é bom que você esteja mesmo, me desculpa, mas você me irrita. Espero que você esteja bem doente. Você promete tentar me dizer o que você entendeu disso tudo depois? Me promete, senão não vou tocar nessa sua testa que sustenta esses olhos que fazem escárnio de mim. Você sabe aonde isso vai nos levar...


(...)


Meu bem, o que eu entendi disso tudo é que o chá que você tomou hoje de manhã era alucinógeno. Eu lhe disse, meu querido, meus chás são assim, você sabe, mas você insistiu em beber. O menino partido em dois era o nosso vizinho, aquele que tem metade do cabelo roxo e metade vermelho, por isso você achou que ele tinha duas metades. Eu realmente não sei como você foi parar naquele telhado, mas confesso que fiquei abismada quando sua mãe me ligou chorando e disse que você tinha tentado se matar. Mas eu o conheço, sei que você não faria isso. É verdade, meu bem, você nunca foi inteiro, você está rachado bem ao meio, já conversamos sobre isso. E também já chegamos á conclusão de que nem por isso você deixa de ser inteiro. É isso o que eu penso dessa história toda. Só lhe digo que é bom você parar de me amar pela metade, senão você nunca mais vai ouvir a palavra febre vinda da minha boca, entendeu? Agora vou fazer um chazinho, você quer? Bem, acho que não, não é?



Ele caiu da corda bamba alguns anos depois... e até hoje não sei pra qual lado ou qual metade era mais forte. Só sei que havia concreto lá embaixo, concreto pintado de azul médio. Que lástima. E que ironia, não? Minha mente borbulha com piadinhas e deboches só de pensar nisso. Bem, depois dessa, nunca mais ofereci meus chás a ninguém, nem mesmo a pessoas inteiras, não partidas ao meio. Pensei ter me ouvido rachar um dia desses, mas nada senti. Bem, deve ser culpa dos chás.