sexta-feira, março 28

We are nowhere and it's now...

"-Ela parece distante, talvez seja porque está pensando em alguém. (...) Um garoto com quem cruzou em algum lugar e sentiu que eram parecidos.
-Em outros termos, prefere imaginar uma relação com alguém ausente que criar laços com os que estão presentes.
-Ao contrário, talvez tente arrumar a bagunça da vida dos outros.
-E ela? E a bagunça da vida dela? Quem vai pôr ordem?"


14:30
Numa rua amarela-acizentada, dois estranhos se deparam e se olham por alguns segundos. Ela, garota-querida-filha-idiota, perturbada por lembranças. Ele, garoto-querido-filho-babaca, perturbado por angústias. Entram no mesmo prédio. Mesma hora, salas diferentes.

Olhos borrados, cabelo sujo e molhado, roupa e pele exalando cheiros que não são meus. Cansei de cantar glórias pela minha baixeza. E me alertaram. Não seja boba, não continue mentindo pra você mesma que o amor é sempre cruel. Eu tenho agido como uma estranha, eu tenho sido uma estranha.
E então, garota, me diga onde você está agora? (porque você e eu não estamos em lugar algum).
E então, querida, me diga onde você está agora? (mas se não me disser, tudo bem, minha conta bancária vai aumentar independente do seu monólogo ou do seu silêncio.)
E então, minha filha, me diga, por favor, onde você está agora? (porque você nasceu de mim e é minha obrigação lhe ajudar - ou pelo menos fingir que me importo).
E então, sua idiota, onde está você nesse seu mundinho amarelo? Onde estou, onde estou?

E tudo se vai. Mesmo com a barreira, as lembranças continuam lá, não é garota-querida-filha-idiota? E num fluxo contínuo passam pela sua cabeça e lhe perturbam até mesmo quando você está comendo um sanduíche no bar da esquina.

Garota, você não está em lugar algum. (e faria alguma diferença se estivesse em algum lugar?)
Querida, você não está em lugar algum. (seria bom se, na próxima consulta, você trouxesse o pagamento do mês!)
Minha filha, você não está em lugar algum. (e talvez parte da culpa seja minha... mas uma parte muito ínfima. Mesmo.)
Sua idiota, você não está em lugar algum. (e o seu mundinho se desmorona todo como um sorvete de banana num dia quente de verão.)



Olhos ardidos, cabelo desarrumado e mal cortado, roupa e pele exalando cheiros que não são meus. Estou exausto de contar minhas vilezas como se delas me orgulhasse. E me avisaram. Não seja tão mesquinho, pare de interpretar a vítima de um amor que nem sempre é cruel. Eu tenho agido como um estranho, eu tenho sido um estranho.
E então, garoto, me diga onde você está agora? (porque você está no meu coração... por essa semana, pelo menos.)
E então, querido, me diga onde você está agora? (porque sua consulta está quase terminando e eu preciso encontrar minha amante.)
E então, meu filho, me diga, por favor, onde você está agora? (porque não faço nada além de cuidar de você... e não posso fracassar nisso também.)
E então, seu babaca, onde você está nesse seu mundinho acizentado? Onde estou, onde estou?

E nada do que ele faz parece ser suficiente para fazer a angústia ir descarga abaixo. Nada é constante. E você não tem conseguido dormir á noite, não é garoto-querido-filho-babaca? E mesmo quando tudo está calmo, como num susto, aquela angústia aparece e tira a graça de se remexer ao som de "doom da da di da di doom" num lugar qualquer com uma companhia qualquer.

Garoto, você não está em lugar algum. (irei chorar um coração partido mas amanhã já terei seguido em frente.)
Querida, você não está em lugar algum. (será que ela vai mesmo se separar pra ficar comigo? Garoto idiota, vem aqui e não fala nada!)
Meu filho, você não está em lugar algum. (e talvez eu realmente seja um fracasso em tudo que faço. Como posso exigir algo diferente de você?)
Seu babaca, você não está em lugar algum. (e o seu mundinho acizentando entra em colapso assim como uma criancinha perdida dos pais em um supermercado.)


15:40
Fim da consulta.
Esperam, lado a lado, o elevador. Mentalmente, perguntam-se: "Onde estará ele/ela agora? Será ela/ele tão parecido comigo quanto parece ser?"
Térreo.
A garota-querida-filha-idiota vai para a esquerda, rumo à sorveteria.
O garoto-querido-filho-babaca toma o caminho da direita, rumo ao supermercado.
Não olham para trás. Não seria o mesmo que olhar para lugar algum?


Jamais se encontraram novamente.
O destino é um escárnio.
E o disco deles está arranhado na mesma parte, da mesma música.


"But if you stay too long inside my memory
I will trap you in a song tied to a melody
And I will keep you there so you can't bug me."





4 comentários:

disse...

Olá

Só passei pra te dar um oi gostei do teu blog não li tudo é claro por que é muita coisa pra ler, mas achei bem legal.

Bjs

Lucas Moura disse...

Muito bom...
No começo eu confesso que tava achando meio chato (não tava entendendo =P) =D
Daí eu comecei a ler e as coisas foram se encaixando e fazendo sentido \o/
Terminou o texto e eu fiquei muito satisfeito com o que li!
Muito bom!
Parabéns mais uma vez, Daiane!
Essa tua forma de escrever me faz querer um livro, uma continuação!


Ps: A cor do blog ficou infinitamente mais propícia pra leitura!

Ivy disse...

*.*

Nina disse...

Quando vc vai escrever um livro, hein? Cara, eu gosto bastante da maneira como vc narra os acontecimentos nos teus textos. Sei lá, às vezes me faz até lembrar um antigo zine que eu adorava. Vc já leu algum texto do zine vanilli??? :)